segunda-feira, 4 de outubro de 2021

 

procuro uma outra imagem
que dê conta 
das vozes na minha cabeça
uma imagem que contemple tudo
que seja clara
límpida
limpa
uma imagem que seja o avesso da violência
da violência que condena ao óbvio
às imagens óbvias
uma imagem que diga exatamente o que eu quero dizer
que chegue à síntese de tudo
que seja pequena e explosiva ao mesmo tempo
uma imagem que desimpeça
que contenha o mundo
em sua própria essência
e ainda assim seja bela
e horrível
um pequeno ponto de energia concentrada
pronto para explodir

domingo, 3 de outubro de 2021

se eu me virar do avesso, talvez você me leia

se eu gastar essa imagem de me virar do avesso

se eu falar sobre isso repetidas vezes

talvez, você me leia

talvez você me entenda

talvez, eu me faça compreensível

se eu repetir e repetir e repetir mil vezes

a escatologia

se eu descrever meus órgãos, meus ossos, a comida que eu comi, as fezes

se eu expôr tudo isso

em uma imagem

de um corpo virado do avesso

talvez, você goste de mim

talvez, eu fique tranquila

talvez, a ansiedade passe

talvez, você me veja

talvez, eu não seja mais sombria

talvez, eu não me preocupe mais com você me lendo

eu não me lembre mais de você

você tome seu lugar

na genealogia das minhas memórias

mas só se eu moer os ossos

se eu triturar as carnes

se eu for de novo e mais uma vez

sombria

estranha

incompreensível

errática

talvez, se eu chorar muito

um rio inteiro de lágrimas

cry me a river

sonho em um dia chorar tanto

mas, tanto e tanto

que estarei pronta 

para uma nova alegria

uma alegria fresca e infantil

uma alegria que não precisa de nada

uma alegria que aplaude o sol simplesmente porque o sol está nascendo

uma alegria que eu costumo olhar da janela do trem

e que não se preocupa

com o ridículo que é escrever um poema

ou aplaudir o sol

ou não ter nada pra dizer

às vezes, eu não tenho nada pra dizer e não gosto disso

uma montanha-russa na minha cabeça que desce e sobe

desce e sobe

quem olha por trás do quadro percebe o escuro

tudo é tão óbvio

ainda assim, estou presa aqui

e não quero revelar

sigo, fingindo essa desenvoltura que eu não sei se engana alguém

queria falar de outras coisas

mas, não consigo

gostaria de parar de fingir também

o que mais tenho para dizer?

nada

escrevo porque esqueci como se chora

escrevo, quem sabe, para lembrar como se chora

e aí, talvez, que sabe

eu me faça compreensível

legível

entendível

se eu me lembrar como se chora


domingo, 5 de janeiro de 2020

Gostaria de estar
emocionada
todas as horas do dia
Tentar captar algum campo
vibracional
que ultrapasse a minha
estupidez
Cara de cavalo, 
comer areia,
não ser capaz de articular palavra
ou sentido
Rezo pra ser inteligente
Ou melhor
para morrer
e subir aos céus
até encontrar
o sol

sábado, 4 de janeiro de 2020

Escrever é
Este abismo
Virar do avesso
A mão por dentro
Eu estou
Abrindo
Abrindo
Abrindo
Esparramando
Me desfazendo em lágrimas
Catarro
Eu choro só de andar na rua
E olhar para uma ponte
Eu choro por essa capacidade
De escrever
Estou estarrecida
As portas da casa escancaradas
Amor
Amor
Amor
Tentar fugir não é suficiente
Amar cada palavra
E o medo de ser louca
Andar no meio fio
Até que um carro me atropele 
E eu morra de espanto

domingo, 15 de julho de 2018

Estou em busca da beleza. Como se 30 pregos estivessem cravados no centro do meu coração. Como se eu carregasse uma coroa de espinhos. E chagas que nunca fecham. As chagas são a beleza. Sou escrava da beleza. Vim até aqui em busca da beleza. Não quero falar do que dói porque estou cega de tanta maravilha. Deitada embaixo de um céu que me toma. Sucumbindo mil vezes diante da vida. Chupo um pau como se estivesse diando do Senhor. Mantenho os olhos muito aberto para que eu não perca nada. Para que eu não esqueça nada. Meu corpo não é suficiente. Estou conectada ao Sol, às estrelas e eles queimam. Eu também queimo porque nasci com o destino já traçado. Não há escapatória. Não há sequer fracasso. O fracasso é impossível. Sou irremediavelmente terrena e procuro o centro do mundo. Pegar o magma escaldante com as mãos. Não tenho tempo para os fatalistas. Estou morrendo de tanta luz.

terça-feira, 10 de julho de 2018

Hoje, acendi 13 velas. Não pude fazer nada. Não confio em nada. Fui engolida pela civilização. Encontro cachorros mortos em sonhos. Em sonhos, sou acusada de roubo, assassinato. Fujo para não ser presa. A loucura em espreita. A loucura cheira meu pescoço. Eu morro de medo. Mijo nas calças. Morro de medo de perder o controle. Morro de medo dos meus dentes trincando num caminho sem volta. Andar no escuro sozinha, suja, envolvida no meu próprio vômito. Sou apenas uma mulher e tenho medo. Não fui criada para a loucura. Não me imagino rolando no chão com as mãos entre as pernas. Gozando no pátio de um hospício. Eu morro de medo de gozar. Eu morro de medo da paixão. Não quero a paixão. Me recuso a ver meu corpo apodrecido no asfalto. Apodrecido e sozinho. A paixão é sempre sozinha. Como pão, como velas, como polvos inteiros, ostras e cavalos. Não quero nada. Me recolho ao centro do sol e queimo.

domingo, 18 de fevereiro de 2018

A paixão
É um estado de graça
E eu vou construir um altar
Pro teu nome
No céu da minha boca